segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Revisão da matéria dada

Não queria ser aquilo que entretanto passei a querer ser e sou. Queria simplesmente um quadro negro, alguns paus de giz e uma vintena de miúdos alegres de aprender. Depois passou-me a vontade da instrução primária e desejei fazer-me aos tribunais. Estava determinada em ilibar inocentes e condenar maus da fita, num mundo ainda pintado a preto e branco. Queria “simplesmente” fazer justiça.

Depois, já no 10.º ano, descobri que a minha escolha tecnológica desviava-me do caminho do Direito. Maldisse o mau aconselhamento recebido no 9.º ano - de que a via profissionalizante me protegeria de um descalabro secundário sem me arredar de um futuro superior -, e repensei tudo o que na altura se equiparava a um plano de vida.

Sem três disciplinas-chave para os exames nacionais do 12.º ano as minhas opções pareciam reduzidas a nada: a minha Filosofia acabava no 11.º ano, o meu Português era o B quando deveria ser o A e a minha História vinha diluída em Introdução do Desenvolvimento Económico e Social.

Não sei bem como passei do nada a qualquer coisa mais do que nada, mas, algures no caminho lá percebi que qualquer aluno se poderia autopropor a exames extracurriculares. Para Direito seriam necessárias duas de três notas-extra - entre Português A, História e Filosofia -, enquanto para Direito Internacional, opção arrancada entre conversas com uma prima diplomata, bastaria uma.

Venceu a minha paixão por Filosofia, iniciada no 10.º ano, estreitada no 11.º ano, interrompida no 12.º por força do currículo tecnológico e, finalmente, resgatada na corrida ao superior. Abençoadas sebentas cor-de-rosa de acesso ao Direito Internacional!

Talvez fossem duas ou três, não consigo precisar, mas recordo-me de pensar que, por mais páginas que tivessem, nenhuma delas me dispensava de jogar pelo seguro. Vai daí peguei nas disciplinas do meu currículo e apontei baterias para as saídas que me acenavam. Ganhou linguística, na vertente Português-Francês, escolha que, durante cerca de um mês, me assentou estudos na Universidade Nova.

Estranhei a faculdade ser só aquilo - essencialmente um teatro de aulas como tantos outros - , embora não me tivesse parecido mal de todo. Fui gostando do curso, desgostando de algumas peneiras intelectualóides, mas sabia que estava ali a prazo, apenas à espera dos resultados da segunda fase de candidaturas.

Lembro-me também de mais tarde ainda ter reflectido sobre a troca - bem visto o mercado, talvez estivesse melhor servida com a linguística -, mas o que era meu estava guardado. E, sem saber muito bem como nem porquê, um dia dei por mim metida na Aula Magna para acompanhar a programação de um curso que não era o meu.

Foi assim que no meio de umas jornadas de Comunicação Social, comecei a matutar num tal de Cenjor: Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas. Fiquei com um panfleto informativo, planeei uma inscrição pós-licenciatura - aconselhava quem sabia que o mercado valorizava profissionais de outras áreas -, só que...era uma vez a vida. O tal filme que “acontece enquanto fazemos outros planos”...e que, perante o congelamento do único curso aberto a licenciados de outras áreas, me fez seguir outro caminho, apenas interrompido para me demonstrar que o que tem de ser tem muita força. 

Por isso, após uns meses de rotina administrativa, regressei ao nome que me deteve antes: Cenjor. Nada de novo, dizia-me o site, mas, just in case, subscrevi a newsletter. Desconfio que foi a primeira vez que o fiz na vida e, em boa hora, porque com a rapidez de pouco mais de uma semana um email anunciava-me o regresso do tal curso. Tinha mudado de nome e perdido o financiamento, também havia menos vagas do que em edições anteriores, mas o conteúdo mantinha-me interessada.

Apurei-me entre os 11 melhores de mais de 40 e, segundo me explicaram os formadores, a minha personalidade escrita, com traços vincados de repórter, determinou o meu estágio. Nada mais, nada menos, na redacção mais cobiçada entre os colegas da imprensa escrita.

Confesso que achei o destino especial, mas os alertas contra estágios de longa duração, precariedade e ausência de oportunidades desaconselhavam grandes celebrações. Por isso, limitei-me a prometer a mim mesma que não me eternizaria em situações de exploração, até porque não tinha como me dar a esse luxo.

Não foi preciso. Acabei os três meses de estágio, ainda enviei uns currículos, mas a 7 de Janeiro de 2004, cerca de um mês depois da minha saída, a Cláudia ligou-me. Voltei como colaboradora e só saí pelo meu próprio pé para arriscar uma aventura legalmente menos precária.

Na altura parecia-me importante fugir aos recibos verdes e à mesmice das ‘capelinhas’. Por isso escapei, embora, em muitos momentos, apesar da nova condição de efectividade, me tenha sentido mais desprotegida do que nunca.

Cheguei mesmo a pensar no desacerto da mudança, entretanto apaziguado pelo ponto em que estou: cada vez mais afirmada entre a instrução primária e as linhas de apelo à Justiça. Como se todos os caminhos da vida fossem invariavelmente dar ao nosso único destino.

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