segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Salteadora das chaves perdidas

Estou feita uma profissional da pior espécie. Depois da grande estreia na modalidade do salto pela janela para conseguir entrar em casa, vi-me, de novo, desabrigada, desta vez por causa de uma corrente de ar inoportuna. Com a chave do lado interior da fechadura e o corpo à caça de uma esfregona do lado exterior, a minha escala emocional sofreu um abalo sísmico com o bater da porta. Sem chaveiro de reserva e apenas uma pseudo-janela de oportunidade para me esgueirar para dentro, numa fracção de segundo vi a minha vidinha desandar.

Refém de uma inacção de momento, pus-me a pensar na cópia das chaves que estavam com a empregada, no telemóvel distante que me permitiria activar um SOS telefónico e em tantas e tantas impossibilidades que adivinhei perpetuar-me naquela condição de desalojada. Foi então que, ávida de libertação, despertei o McGyver que estava adormecido em mim. Subi para um bidão de água que me acrescenta uns 20 cm à altura (faz de conta que sei calcular medidas a olho nu), abri a pseudo-janela o mais possível (é daquelas que se manuseiam, entre puxões e empurrões, para baixo e para cima) agarrei-me à saliência acima da janela (cujo nome técnico desconheço)e, mesmo desconfiada da capacidade do frigorífico para aguentar o meu peso (seria uma queda impressionante para ambos), arrisquei o salto.

Com as mãos bem assentes na oportuna protuberância e uma das pernas apoiada sobre o combinado (que, para meu espanto nem ameaçou uma inclinação de risco), aterrei a outra perna na bancada do micro-ondas e, numa articulação de causar inveja aos mais aturados contorcionistas, celebrei a descida à terra do chão da cozinha. E, para que não restassem dúvidas sobre a minha perícia, uma tarde de caipirinhas e uma noite de danças depois (traduzida na melhor solução alcoólica de maracujá que já provei e numa das piores misturas de música que já dancei), lá estava eu, de novo, a repetir a experiência. Engenho de uma inesperada necessidade, imposta por um recolher tardio e armadilhado pela partilha das únicas chaves com as duas recém-chegadas flatmates, demasiado ferradas no sono para retribuírem. Ingratas!

Nas malhas da rede




De um lado estão os amigos. Do outro aparecem os colegas. Pelo meio também se encontram conhecidos e, nas idas e vindas, ainda se cruzam amigos de amigos. A baralhação de nomes, caras e grupos é de tal monta que volta não volta o programa é acometido de um surto qualquer e desata a vomitar um absurdo de sugestões. Com tantas produções e inovações, só me pergunto como é que a rede social mais in do momento se esquece de me recomendar amigos de amigos e insiste em promover a minha amizade com desconhecidos que, à partida, não têm qualquer ligação ao meu ser.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Gira a bola #4

Carta aberta a quem a ler

Já a meio da primeira parte do desafio Luanda-Expansão, é com orgulho de campeã que escrevo. Ontem, aos 22 dias de Janeiro de 2010, cumpri, no limite do esforço, mais uma jogada de registo nesta terra de Deus Zedu. Tão suada que não via a hora de regressar ao meu pouso e agredir o ambiente com uma hora de excessos de chuveiro.

A ocasião não era para menos: as torneiras da minha casa secaram na passada quinta-feira, para desespero das minhas mais básicas rotinas de higiene. Nem sequer foi a primeira vez em que aconteceu, porque já tinha ficado sem água em duas situações, mas esta experiência foi, sem dúvida a mais marcante. Quanto mais não seja pela preparação física que tem exigido de mim, a mais fiel adepta do desporto do ócio. Como não tenho uma única prova da tragicomédia que tenho vivido – dada minha inépcia natural para equilibrar o transporte de água com poses fotográficas – apelo à vossa imaginação.

Vamos lá, então, todos juntos, acompanhar as minhas mais recentes manobras de diversão sofridas ao virar de uma sexta-feira inteirinha (já há uma semana, destaco ao escrever) a ouvir isto: «Não se preocupe Dona P., vamos resolver a situação». Como a Dona P. preocupou-se, não houve solução para ninguém durante o tempo de um interminável fim-de-semana.

Então foi ver-me a multiplicar viagens ao supermercado (manda a minha relativa normalidade que só tenha dois braços e que eles tenham limitações de esforço); percorrer uns 15 infindáveis minutos debaixo de 30 graus de raios de sol; subir e descer quatro andares de extenuantes escadas e, depois de tudo isto, não poder sequer desfrutar da água para um banho digno desse nome.

Estão a imaginar? Euzinha, com a minha compleição física a acartar garrafões, garrafas e toda a sorte de recipientes capazes de operar um milagre de H2O. O mais ridículo é que poderia ter a ajuda do segurança, não fosse ele um inútil que só sabe dormir e um perfeito incapaz no desafio de perceber o meu dialecto de musicalidade lusíada. Restou-me ver a minha resistência afundar-se, caminhada após caminhada, e a minha carteira esvaziar-se litros atrás de litros. Maravilha!

Cumprida a missão de sobreviver ao fim-de-semana, que incluiu um chá diplomático em minha casa (don´t ask), acordei para a segunda-feira com a missão de não desperdiçar água Caramulo em banhos, lavagens de dentes e descargas de autoclismo. Missão cumprida, nova odisseia encontrada: os técnicos identificaram uma avaria grave na moto-bomba, sistema indispensável por estas bandas porque permite contornar (através de um depósito que funciona ligado a um gerador) as constantes quebras no fornecimento de água. Três dias! Teria de aguentar pelo menos mais três dias sem água.

À falta de melhor, ‘exigi’ que a empresa colocasse bidões de água ao dispor do meu domicílio, exactamente como manda a decoração de qualquer casa angolana que se preze. Cruzei todos os meus dedinhos para terminar a minha segunda-feira com um bom banho e, quando já delirava com uma circulação de água ligeiramente mais abundante do que o borrifar que me tramou a sorte do fim-de-semana, deparei-me com outra tradição cá da banda. Afinal, os belos dos bidões que me esperavam à porta de casa eram ex-garrafões de óleo alimentar, entretanto convertidos em garrafões de água.

Resultado: em vez de líquido incolor, tinha litros e litros de uma solução gordurosa de impacto duvidoso sobre a minha epiderme. Como no frigorífico tinha pouco mais de 1,5 l de Caramulo, já estava em ponto de banheira e podre de cansada (após quatro textos de escrita, dois oferecidos aos estagiários e dois com o reconhecimento da minha assinatura), entreguei-me à exploração das propriedades de uma água com potencial hidratante. Isto para o corpinho, porque os dentes e o cartão de visita facial exigem de Caramulo para cima.

Seguiu-se uma manhã de reivindicações e mais quatro dias de baldes e copos escassos, mas já sem gordura. Percebem agora o orgasmo de banho que tive hoje quando cheguei a casa, não? De tão eufórica que estava, até ofereci uma sessão de cabeleireiro ao meu couro cabeludo, que, coitado, já anda a sofrer que baste com a ausência dos seus franceses de pentear.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Sinal de Paz




Um post depois do pedido de tréguas, a cor da Paz sobrepôs-se aos conteúdos deste blogue. F5 para cá, F5 para lá, e branco mais branco não há. O que vale é que entre caracteres perdidos e sumidos, a-real-idade permite-me escrever mesmo sem me deixar ver. Abracadabra!

Aquecimento global ao domicílio

À imagem e semelhança do que acontece pelo mundo das perturbações climáticas, ontem o meu provisório planeta domiciliário despertou absolutamente baralhado do clima. De um lado mantinha-me a persistente secura na canalização (já lá vai uma semana sem um pingo nas torneiras), do outro oferecia-me uma inundação trazida pelas chuvas de Verão.

Conflito diplomático

Numa reacção automática à colagem do meu nome a um cunho académico, dispensei o despropositado tratamento e chutei-o para o canto do pessoal que nos trata da saúde. Afinal, «os doutores estão nos hospitais», comentei, longe de imaginar o potencial bélico de um comentário meramente descompressor. Tão longe estava que fiquei completamente abismada com uma interpretação de aproximação. Malcriada? Indelicada? Eu? Simplesmente por preferir que me tratem pelo nome? Tréguas, por favor!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Venha de lá o subsídio

A quinta-feira despertou-me com planos impróprios até para os menos cardíacos. Belisquei-me, voltei a beliscar-me, entusiasmei-me, dei graças silenciosas ao senhor – não o lá de cima, entenda-se, mas sim àquele que me falava por telefone – e, no ritmo descoordenado da ansiedade saí de casa com o coração tão disparado para as emoções do dia que, mais um pouco, e tinha ali um piripaque.

Os batimentos não eram para menos: se conseguisse sobreviver, dali a quatro horas estaria frente-a-frente, lado a lado e o que mais me aprouvesse, com dois colossos do futebol mundial. Isto se já tivesse chegado a minha hora! Mas, ao que tudo indica, o meu crédito de emoções ainda mexe. Por isso o destino lá tratou de me poupar a uma síncope súbita, trocando o esperado encontro com o Eusébio e o Pelé por uma confraternização a solo com o Eusébio. Só por isso que já é tudo, estou a pensar seriamente em pedir um subsídio de risco ao patrão. Venha ele!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Domingão de ocasião


Que o chá das cinco seja de boa toma para a minha retoma.

Pelos cabelos

Uns 20 quilinhos e que não pese mais a viagem. Seja ela por uma semana de férias ou alguns meses de trabalho, obriga-nos sempre a esmifrar o espaço entre trapos de vestir, básicos de calçar e utilidades de cosmética e higiene. Uns 20 escanzelados quilinhos, porém ironicamente capazes de derrubar a mais aturada fórmula de arrumação, vergada a subtracções atrás de subtracções.

Nessa incontornável desconstrução milimétrica, primeiro disse adeus a todos os pares de calças (sim, reconheço que de vez em quando dão jeito), depois anulei o meu arco-íris de havaianas (restringido a três solitárias cores), e, finalmente, erro dos erros, assumi que seria mais complicado orientar o elixir bucal, o gel de banho e a minha mão-cheia de cremes do que uns bons nutrientes capilares.

Acreditava eu, na ingenuidade da minha europeizada lógica, que uma temporada em Angola favoreceria mais encontros com carapinhas da pior espécie, e, portanto, uma ampla oferta de cabeleireiros e lojas com os produtos mais indicados para neutralizar rebeliões de cabelos.

Erro dos erros, sublinho ao escrever. Qual titanic das teorias, a minha lógica depressa naufragou, arruinada na primeira ida a um cabeleireiro e nas fracassadas buscas de vendas ao género Martim Moniz.

Como castigo, agora tenho de sobreviver sem os meus franceses de pentear, sofrendo no couro cabeludo o desacerto de uma lógica despenteada por uma profusão de perucas, extensões e demais artifícios capilares. Sem os meus franceses de pentear, com uma água completamente diferente, um sol estorricador e um mar naturalmente aniquilador, a minha cabeleira converteu-se numa passarela de desfiles inéditos de flocos de neve. Tão emproados que também se exibem nos ombros! Raios de caspa!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pausa, interrogação, pausa

A pergunta repete-se nos telefonemas, emails e em qualquer ponta de conversa que a mim se pegue: «Estás a gostar?». Incapaz de corresponder às expectativas de uma resposta automática, fujo deliberadamente do sim e do não, e asseguro ‘apenas’ que estou bem. Um mês depois de ter aterrado no mês mais crítico para suportar saudades, parece-me que garantir mais do que isso é exagero de ocasião. Porque por muito que me sinta integrada (e já o vou sentindo), por mais que os bons desafios se sucedam (olha, lá vem mais um), e por muito que ame os termómetros tropicais (ui, se amo), preciso de mais qualquer coisa para sustentar um sim vigoroso de satisfação. Até lá vou levando. Mas felizmente que bem.

Importam-se de explicar melhor?

Num gesto básico de todos os dias, clico nas actualizações de estado e, em menos de um minuto, intrigo-me com a sucessão de cores. Branco, laranja, roxo, verde, vermelho and so on, and so on. E, como se a coloração de escritas não fosse já de se suficientemente berrante, ainda há quem se lembre de carregar os tons a dobrar, expondo-os também na mais globalizada das línguas. Eis então que, já completamente aturdida com a minha espécie avançada de daltonismo, resolvo indagar sobre o colorido surto.

Explicam-me que as cores correspondem ao tom de sutiã do dia e contam-me que o arco-íris se gerou a partir de um estudo qualquer que andava a ser divulgado por email. Como não recebi nada que se pareça com uma convocatória electrónica, restou-me acreditar que o desafio era digno de tamanha mobilização. E assim deixei-me estar, convencidíssima da lógica de tudo aquilo, até me deparar com esta notícia. Foi então que fiquei sem perceber como é que revelar a cor do sutiã no Facebook contribui para combater a luta contra o cancro da mama. Alguém explica?

domingo, 10 de janeiro de 2010

Visto de cima


A diferença saltou-me logo à primeira vista. Quitadas que só elas, as meninas da banda raramente descem dos saltos. Podem ser agulha, cunha ou de qualquer outra elevação que o meu pé de chinelo desconhece, mas nunca falham no inflacionar das alturas.

Acontece que, apesar das produzidas ascensões de nível, saída após saída continuo a observá-las de cima. É portanto com toda a propriedade que o declaro: os meus centímetros estão acima do metro deste mercado.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Renovação de votos

Desejei abandonar-te e seguir outro caminho. Primeiro num e noutro momento, depois dia atrás de dia, e, de forma insistente durante nove penosos meses de excessivas adversidades.

Desejei muito abandonar-te e seguir outro caminho. Primeiro por me deixares insegura por demasiado tempo, depois por cobrares aquilo que nunca me deste, e cada vez mais, pela tua revoltante promiscuidade e leviandade.

Desejei realmente abandonar-te e seguir outro caminho. Mas, de repente, aos sete dias de Janeiro, sete anos após o telefonema de partida, voltei a olhar para ti e a rever-me em todas as tuas qualidades.

Foi assim que perdi o desejo de te abandonar. Foi assim que voltei a sentir-te outra vez tão parte de mim que é só contigo que me vejo a manter uma relação profissional.

Sim, jornalismo, estamos outra vez em lua-de-mel, e sim, aceito por bem renovar os votos desta experiência angolana. Até que uma nova sorte nos separe.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ponto por ponto

De repente, lembraram-se. Meio século depois da consagração mundial, eis que uma pandilha científica achou por bem despir de proveito a fama do ponto G. Vai daí arrebanharam 1800 fêmeas, todas com uma irmandade gémea, e, não sei como nem com quantos cajados, acabaram por encaminhá-las para o curral das não freiras.

Muitos mémés depois – espero que de algum prazer ainda que sem nenhum incentivo pontual –, os senhores da ciência concluíram que o gado sexual anda perdido em busca de um estímulo onde afinal ele não existe. Solta-se então um méééééé de contestação. E mais um: mééééééé….e mais outro: méééééé….

Ooops, que esta minha imaginação ainda é capaz de me assexuar!

Sim, meus queridos cientistas de nacionalidade britânica, eu, gente com tendência para abusar da criação, assumo-me a todos os pontos. Sim, meus estimados pesquisadores: eu gosto de criatividade e deleito-me com a exploração de todos e mais alguns pontos. Só lamento não ficar nada excitada com as vossas tão suadas conclusões.

Pois é, meus senhores. Quero lá saber se a letra que vos intriga é G, H, I ou J! Eu por cá não me contento com meras sessões de prazer literário.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Camonizada


Como se a praga do ‘X’ e do ‘K’ não fosse por si só grotesca e atentatória do bom nome do poeta associado a esta língua, eis que uma espécie de febre shakespeariana se alastra entre os portugas, atingindo proporções pandémicas a partir de vários posts de contágio no facebook. Eu, que até deito a escrita a um e outro camone vocabular de maior assertividade, desconfio que a desvalorização de tão rico idioma só se pode mesmo explicar pela sua desmesurada opulência. Infelizmente, também é nisso que dá a fartura!

Devorada

O alerta soou à emergência de um dos meus primeiros barafustares de mãos. Mais acima, mais abaixo, direitinho ao centro e…nada feito. Vi-o escapar uma, mais uma e outra vez, num irritante ziguezague de fuga, entretanto cativado à ordem ainda desordenada dos meus dias.

E assim, numa saga repetidamente sofrida, assisto impotente à multiplicação de marcas de violência insectífera no meu corpo, enquanto lamento a inutilidade de repelentes não testados para ataques de balas. Afinal, como dizia o tal alerta do meu início: «Aqui os mosquitos andam armados». Pim, pam, pum!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Papel fantasia



Desfeita a suposição profissional – sim tenho amigos engenheiros, mas isso ainda não faz de mim primeira-ministra –, eis que volto a ser colocada na direcção de uma turma, agora do ensino primário. Ou muito me engano ou anda por aí fantasia à solta!

Esqueletos no armário

Desfilam os dias nesta lua que anda e manda. Com eles vejo os meus agasalhos de sentir substituírem os agasalhos de vestir, numa colecção de tantas peças soltas que por mais novas aquisições que faça nenhuma consegue adornar o milagre de compor o meu armário. Abro-o dia após dia, deixo-o arejar, mas, por muito que faça e refaça, ele permanece humanamente desfalcado, por vezes um pouco apertado, noutras demasiado folgado, mas jamais à minha medida. Então olho-me ao espelho e constato que enquanto continuar incompleta por dentro, tudo o que eu possa exibir por esse mundo afora nunca me servirá. Apenas vai servindo.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Favor recuar

Tudo bem que o tipo surgiu qual oásis na secura de um deserto. Mas isto de insistir em ligar nos meus momentos de lanza e sossego já o começa a impregnar de traços de aridez. Oh, sina tuaregue!

Cheers!



Não tive a grande-mega-giga party mas também não fiquei em casa a sonhar com a impossibilidade de uma virada no Baleal. 2010 encontrou-me com o corpo em Luanda, o espírito a um voo intercontinental de distância e a perspectiva de uma animadora antevisão: um ano que começa num bairro de nome Benfica e num município de nome Samba só pode trazer muitas e boas conquistas. Cheers!