segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Indigno de notas




Fim de mais um almoço que me soube a pouco. Dou por mim a correr para um eléctrico dos modernos, com uma nota de 5€ na mala, pronta a subtrair-se na compra de uma prudente tarifa de bordo. Feita camone, tento enfiar o papel na ranhura mais larga da máquina e só depois me apercebo de um aviso afixado em letras garrafais: JUST COINS/ ESTA MÁQUINA SÓ ACEITA MOEDAS.


À falta de um motorista que faça as vezes de vendedor, abordo um fulano aparentado da Carris – vestia a clássica fatiota azul – e peço ajuda para desenrascar um bilhete…
«Lá fora?!»


Confirmo que as máquinas não aceitam notas e descubro que sem moedas nem pré-comprado, o melhor é abrir alas p’ra rua. E, não fosse eu armar-me em contestatária da ‘novidade’, depressa o tipo da fatiota esclareceu que «as máquinas já existem há 10 anos!».

«E então?», contraponho eu. «Pode não fazer sentido, mas como tem uma década deixamos andar?» À falta de resposta, fui eu que me pus a andar, antes que chegasse um pica para fazer a minha viagem desandar...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Cenas de um casamento


As lágrimas invadiram-me com o rigor anunciado pelo aviso prévio. Do canto do olho, na festa de despedida, para os recantos do rosto, na festa de consagração, senti as minhas emoções percorrerem um inimaginável mundo novo. Sem reservas, entreguei-me à viagem e chorei.

Já perdida na minha avenida de lágrimas, reconstituí, orgulhosa, todos os passos que cruzaram o meu coração com aquele inspirador destino. Revi as distanciadas aulas no ISCSP; revivi os jantares de aniversário, e atribuí carácter vitalício às tradicionais reuniões de 'núcleo'.

Continuei a vasculhar o meu baú de boas memórias e encontrei partilhas de interesses inesgotáveis, tagarelados em momentos excepcionais de intimidade. Avassalador! De braço dado com o pai-pilar da exemplarmente estruturada família Semedo, a primeira das minhas noivas ofereceu-me uma das mais marcantes transições dos meus 29 anos. Aliás, ofereceu-nos. A mim, à Ana e à Rosana.

Juntas, conforme estamos destinadas a conservar-nos, assistimos a mais uma obra de colossal estimação: o casamento da nossa adorada Ivana. Unidas, tal como fazemos questão de nos preservar, seguimos a nossa linda noiva na última caminhada de solteira: rumo ao altar.

Faltou-nos o corpo do quinto elemento desta valiosa irmandade, mas, apesar da distância de um continente, a Patrícia não deixou de nos acompanhar em espírito, materializado via sms. Na mensagem, recebida a pouco menos de uma hora do enlace, confirmava-se a força das relações – «Estamos juntas (pelo menos em pensamento)» – ao mesmo tempo que, nas «Saudades» finais, expunha-se a fraqueza das separações.

Neste oceano emocional, no qual mergulhei fundo, vi emergir, já no repasto, mais uma evidência arrebatadora das qualidades da minha noiva, entretanto bem casada com o também distinto Miguel. Passo a reproduzir, no que se traduziu a clássica cerimónia de oferendas aos convidados:
«Caros amigos,
Por ocasião do nosso casamento, decidimos presentear-vos com
um gesto tão especial quanto o dia de hoje e proporcionar sorrisos esperançosos
a milhares de crianças carenciadas.
Decidimos então efectuar uma doação a favor da Associação Helpo, que leva a cabo projectos de ajuda humanitária e de desenvolvimento humano, para que a nossa felicidade se possa repercutir na vida de muitas outras pessoas.
Agradecemos profundamente a vossa presença. O facto de nos darem a oportunidade de partilharmos este gesto convosco faz com que este
dia se torne ainda mais especial».

Ivana & Miguel
20 de Setembro de 2008

Seguem-se outras braçadas oceânicas.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Ele e ela





Ele fazia o género bad boy, aligeirado por um fashion look desfilado entre o casual e o radical. Ela dedicava-se ao disfarce, mascarando qualquer acesso de timidez inconveniente. Ele era vizinho de uma ex-colega dela e andava sempre acoplado de gajas, à época tratadas por miúdas. Ela subia às nuvens de cada vez que o via.



Ele chumbou, ela passou, e, de repente, a diferença de um ano que lhes distanciava os nascimentos começou a esbater-se. Nunca mais acabavam as férias…Ela esperou, desesperou e até rezou. Rezou, desesperou, esperou. Valeu-lhe nada porque continuavam separados. Inconformada, ela explorou ziguezagues de possibilidades até conquistar o destino deles. Juntos, perceberam afinidades improváveis e descodificaram sentimentos indecifráveis.



Num momento corria ele, noutros ‘sprintava’ ela, e, lado a lado, construíam uma insubstituível caixa de velocidades. Sem acidentes graves, desviaram-se por anos que não passaram de momentos, e, consumaram, em sucessivos reencontros, acertos cada vez mais afinados. Quarta-feira, 17 anos vividos desde o primeiro acto, ele apareceu-lhe empenhado em repetir a história, ela desapareceu-lhe interessada em estrear novas histórias. Mas ele confia no telemóvel para dar a volta ao texto.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Escrever e descrer




Mudam-se os textos, alteram-se os verbos, actualizam-se os factos, e, invariavelmente, encontram-se dúvidas. Quantas mais linhas subo e desço, mais incertezas descubro. Algumas são pacíficas, cumpridoras da tradição das chamadas ‘brancas’, mas a maioria revela-se de tal forma conflituosa, que a mais ténue perspectiva de tréguas exige a convocação de reforços.



Pergunta-se ao colega da frente, discute-se com o parceiro do lado, num empolgante exercício intelectual de concordâncias e discordâncias. À falta de uma perfeita sintonia, porque as imperfeitas só servem de alimento à dúvida razoável, lança-se mão de um ou vários dicionários.
E, como nem os especialistas das letras se entendem, convencionou-se fazer dos dois generosos volumes do Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa a Constituição da Língua Portuguesa.


Tivesse eu uma edição de bolso da Lei Fundamental, e talvez a batalha que travei há algumas horas rendesse mais luta. Dizia-me um Doutor dos originais (aqueles de bata branca) que a minha utilização da palavra impacto já pedia uma revisão. Insistia o Doutor que a influência de uma notícia sobre opiniões, atitudes ou comportamentos designa-se impacte. Jamais impacto.


Discordei sem hesitações, porém reconhecendo na observação mais uma fonte de conflito na guerra das letras. Lembrei-me então de umas aulas recentes de português (privilégio profissional), em que o impacte e o controle cediam terreno para o impacto e o controlo. Explicava a professora que os 'O' são mais portugueses do que os 'E' de galicistas, ressalvando, contudo, a generalizada utilização de ambos como sinónimos. Indisponível para confrontações linguísticas, o Doutor insiste na sua, e remete maiores esclarecimentos para os mais prestigiados dicionários. Na resposta, a Constituição da Língua Portuguesa defende exactamente o mesmo que me ensinava a professora. E isso tem um maior impacto na minha convicção.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Portugal dos pequeninos



Ríamos como se deve: sem moderação. Conversávamos como se deve: abertamente. Ríamos e conversávamos. Nisto, a tipa da mesa atrás vira-se com o ar mais enjoado do mundo e, de dedo na boca, solta um shiu de reprovação. Fui a única das cinco a registar o fastio da empertigada mulher, incapaz porém de melindrar a minha boa disposição.

Rindo e conversando, prossegui sem moderação e abertamente. Nisto, a tipa levanta-se e faz questão de partilhar um sonoro desabafo com umas das empregadas de balcão: «Isto parece uma taberna!». À falta de troco das cinco 'taberneiras', a mulher dá mais uns passos e, já na caixa, projecta um novo comentário: «Só sabem gritar, que horror. São as pretas e também as brancas».
As 'pretas' deduzo que por defeito, as 'brancas' suponho que por contágio. Foi então que uma das 'pretas' se deu ao incómodo de desafiar a tipa a praguejar frontalmente. Mas como até para isso é preciso ter verbo, a fulana ficou-se por um desavergonhado: «Sou racista, sou». Pode um país crescer com tamanhas pequenezas?

E o Oscar vai...

...para onde for a gangue quatro estações. Aplausos, que se vai ver e ouvir o melhor de vários fados.



Classificação: Não aconselhável a espíritos insensíveis



sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Prato do dia




Pergunta o teste: Você é o que come? Sem comer nada, respondi com os olhos. Devorei o que me pareceu ser uma pizza, deitei abaixo uma Coca-Cola gelada, rendi-me à frescura de uma fruta tropical e, mais escolha, menos escolha, terminei a refeição. À minha espera estava um cardápio, alegadamente fiel ao meu gosto de ser. Que bem que sabe degustar a falibilidade das máquinas... Verdadeiro ou falso?


Sabe como curtir a vida, mas sem cometer exageros. É muito preocupado e se priva das coisas por excesso de cuidado. Busca sempre o caminho mais difícil, mas sabe superar as dificuldades.



É uma pessoa metódica que leva muito em consideração a aparência. Não consegue ficar sozinho. Gosta de estar sempre rodeado de amigos e da família. Gosta de manter o controlo da situação e saber exactamente onde está pisando.



Fica sempre em cima do muro na hora de tomar decisões. Adora a comodidade proporcionada pela vida moderna. É uma pessoa que prefere estar em contacto com a natureza. Sempre que tem um problema, conta com os outros para ajudá-lo.

http://istoe.terra.com.br/planetadinamica/produtos/teste_come/index.asp



segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Amizades cruzadas




Todas as histórias precisam de um começo. Na infância, bastava-me um «Era uma vez» para entrar no jogo de juntar letras e acertar palavras. Já na adolescência, dei-me conta de que todas as histórias precisam de vários começos. Foi então que genuinamente comecei a escrever. Fui deixando os sentimentos assumirem formas de palavras, enquanto percebia que, muitas vezes, as palavras não conseguem dar forma aos sentimentos.



Algures na minha história, comecei realmente a crescer. Foi então que, ainda na juventude, comecei a partilhar, vivendo, e não apenas conhecendo ou contando outras histórias. Foi aí que, afortunadamente, comecei a aprender. E tenho aprendido tanto com os amigos, que seriam precisos milhões de posts, biliões de blogues e triliões de webs para rever toda a matéria dada. Detenho-me, por isso, na lição do passado fim-de-semana: a consagração cinematográfica das amizades cruzadas.



Iniciaram-se ainda no século passado (ooopps), na empolgação das Passagens de Ano de Albufeira. Paula que conhece Vera­ que conhece Pipa que conhece Mónica que conhece Lara que conhece Ágata que conhece Alice. Todas juntas, e mais algumas, cruzámos os finais dos 90 como se não houvesse 2000.


Seguiram-se algumas interrupções para frequências universitárias, e, com o fim delas, chegam, à boleia da Vera, a Paulinha e a Carina. Vive-se já uma tal de idade adulta, entre empregos por afinar, viagens para marcar, contas por pagar e FDP’s para tudo desorientar.




Páscoa após Páscoa, fim-de-semana após fim-de-semana, Ano Novo após Ano Novo, férias de Verão após férias de Verão…no nosso entra e sai de calendários, entram também as manas Brás (Di e Lôraça), iniciadas pela Paulinha, chegam ainda as picatxus (Gi e Sónia), trazidas pela Vera, e recebe-se a Pipona, apresentada pela Lara.



Sesimbra após Sesimbra, Albufeira após Albufeira, Figueira após Figueira, Tavira após Tavira, Londres após Barcelona….Quantos mais caminhos desbravamos, mais amizades somamos. Na nossa sempre aberta cadeia de ligações, passagem ainda para voar até à Amata, a Dora e a Nara, numa viagem internacional que também nos levará à Áustria, com escala pela Charneca da Sónia que já foi da Amadora. Nas idas e vindas, que nunca deixemos faltar os créditos. No passado, no presente e no futuro fim-de-semana.



Créditos (por ordem alfabética)


Carina, a fugitiva (Não, não me chamem para bailar porque essas ketas me matam…)

Di, a convidada surpresa (Vou puxar ali o negrinho para dançar!)

Gi, a realizadora (Vá, vá, juntem-se que esta é para o próximo filme)

Lara, a Super Woman (Estou a chorar? É o meu avô. O meu avô está a chorar…)

Mónica, a noiva (Eu já falo convosco)

Paulinha, a pioneira (Tou bué maldisposta, mas em alguma hora tenho de começar a beber)


Pipa, a dona das garrafas (Vá: bebe!)

Pipona, a sinhá dos pés descalços (Eu tenho o pezinho lá [na senzala])

Sónia, a star do Millenium (Eu estive na pré-estreia do filme)

Verinha, a produtora-revelação (Estou tão orgulhosa de mim, estou tão orgulhosa de nós)

Ausências mais notadas:


Alice, embrenhada nos matos da Zâmbia (Vida selvagem)


Lôraça, enviada à Bulgária para uma missão humanitária (Vamos espalhar magia!)


Participação sempre muito especial:


Bebé, mestre da mão direita, e aquele que mesmo sem se mexer, nunca nega uma Batalha (Ontem fui ao Lux? Eh, pá, acho que sim. Eu vou a todo o lado)