domingo, 23 de junho de 2013

TPC




Por ESTES próximos dias, trabalhar por casa não será mau de todo. Será ecológico.


No metro


Entrou uma estação depois da minha. Rasta loura pelos ombros, pernas atléticas pronunciadas pelos calções azuis, t-shirt branca, barba à moda dos Óscares – que é como quem diz na medida sexy da coisa –, cores de quem acaba de suar as estopinhas, e tudo isto na minha visão frontal de fim de tarde de domingo. Fixo o olhar, não consigo deixar de fixar o olhar, ele repara, devolve a fixação e, a partir do andar dele, fixamente aproximamo-nos.

Ele senta-se num dos quatro lugares da esquerda, eu estou sentada num dos quatro lugares da direita, e, na mesma fila, ficamos os dois com os olhares perfeitamente alinhados.

Mira daqui, gala dali, vergonha de cá, pressão de lá, P.Diddy no iPod e...caramba... mia-miau que o gajo é mesmo gato. Sinto-me despedida com a intensidade visual, mexo na mala, remexo as mãos, brinco com o anel, olho para o lado, mentalmente assobio para cima e...quando estou a um passo de explodir de tanta adrenalina, ele levanta-se, os nossos olhares colam-se perturbadoramente, e...lá vai ele. Saiu uma estação antes da minha.

O questionário

Foi bom? Óptimo. Foi mau? Acontece. Não foi? Nem sempre tem de ser. Mesmo que o assunto seja a fonte de todos os vossos problemas, vão por mim: continuo a não querer saber muito mais do que isso. Podem falar-me do drama, entenda-se, mas não se empolguem com a infinitude da sua extensão. Dispenso saber e, aparentemente, isso faz de mim a negação das despedidas de solteiras.

No ano passado, às páginas tantas, saiu-me: “Eh, pá, isso é tão intrusivo”. Claro que num estalar de dedos fiquei com a cabeça a prémio. “Estás a ser conservadora, temos de ter a mente mais aberta” e o diabo a quatro...a oito, a doze.

Não me lixem. Uma coisa é ser liberal e ter a mente aberta com a minha vida e de mais ninguém. Outra bem diferente é andar por aí a expor intimidades vividas no plural. Não num plural abstracto, como acharia aceitável, mas num plural muito concreto de duas pessoas que não quero imaginar a fazer isto, aquilo e aqueloutro.

“Qual é o problema?”, perguntam-me, “somos todas adultas”, insistem. E, como se estivéssemos a discutir uma vulgar classificação de um qualquer filme em vias de exibição, este ano, tal como no ano passado, a obsessão em conhecer em detalhe a vida dos noivos converte-se no grande sucesso de bilheteiras. Menos para mim, claro, a estranha pessoa que não precisa dos filmes porno dos outros para se entreter. Chegam-me os meus.

Por isso por muito que evoquem a sagrada e longa tradição de sexualização de questionários nas despedidas de solteira, continuo sem ver interesse algum na coisa. Ainda percebo a curiosidade de se saber quando foi a primeira vez – no primeiro encontro, depois de um mês? –, também consigo entender as perguntas do sítio mais romântico e tal, mas enough is enough.

Não quero saber o que as minhas amigas fazem imediatamente depois do acto com o tal, não estou interessada em conhecer a situação mais hard core que viveram antes do até que a morte nos separe, estou-me nas tintas para as fantasias sexuais mais bizarras que encenaram a caminho do altar, e não preciso de ser apresentada aos múltiplos cenários de actividade. Porque somos adultas sim, somos amigas, claro, mas para mim a sexualidade vive-se na intimidade e é aí que se deve conservar. A dois ou a mais do que dois não me importa. Tratem é de gozar o plural na relação.

Porque é disso que se trata, minha gente adulta. Uma relação não é uma exposição. A menos que, a dois ou mais do que dois, queiram converter a intimidade num daqueles shows de vocação voyeurista. Nesse caso, minhas amigas, dou-vos toda a minha força e, já que falamos nisso, toda a permissão para rifarem o meu bilhete.

sábado, 22 de junho de 2013

Do palco de ontem

“Como disse um filósofo português: 'Quem tem medo de cagar não come'”.

Facto

Se o blogger tivesse bloqueador de acessos ao fim de algumas tentativas de log in falhadas, as escritas daqui ainda andariam perdidas por aí.

Uma questão de pele

Poderia ter dado meia volta, poderia ter largado ali as peças, poderia ter ignorado o ‘ignorável’. Mas não. Por iniciativa própria saí dos provadores, chamei a funcionária e mostrei os alarmes. Acho que eram dois, lembro-me de os ter encontrado nos bolsos de umas calças, experimentadas naquela vida em que ainda usava calças, e de, sabe-se lá como, me ter enfiado num interrogatório de condenação. Repeti a história uma vez, repeti duas, expliquei que não fazia sentido denunciar-me a mim própria, lembrei que poderia pura e simplesmente não ter dito nada, fiz 30 por uma linha. Mas, quanto mais me esforçava para argumentar, mais claro se tornava para mim que nem a lógica nem o bom senso eram para ali chamados. A minha cor era o suficiente para uma rotunda assunção de culpa.

Hoje, uns bons 10 anos depois de amargar esta história, sinto na mesma pele de sempre uma mudança de pele. E qual gold pass para um mundo de cortesias e hipocrisias é outra vez ela, a cor, que me condena a um interrogatório de futilidades. “Quando é que vai viajar? Só leva isso? Volte com mais tempo. Lá em baixo temos spa, cabeleireiro, depilação. Tem a certeza de que não quer ver mais nada?”. Assim mesmo, de chofre, sem espaço para respirar, nem tempo para contra-argumentar, vejo que aos olhos de quem me vê a cor que tenho define de que forma sou. Ladra antes, compradora agora, amanhã talvez...apenas eu. Alguém sem o preço de mais ninguém.