sábado, 22 de junho de 2013

Uma questão de pele

Poderia ter dado meia volta, poderia ter largado ali as peças, poderia ter ignorado o ‘ignorável’. Mas não. Por iniciativa própria saí dos provadores, chamei a funcionária e mostrei os alarmes. Acho que eram dois, lembro-me de os ter encontrado nos bolsos de umas calças, experimentadas naquela vida em que ainda usava calças, e de, sabe-se lá como, me ter enfiado num interrogatório de condenação. Repeti a história uma vez, repeti duas, expliquei que não fazia sentido denunciar-me a mim própria, lembrei que poderia pura e simplesmente não ter dito nada, fiz 30 por uma linha. Mas, quanto mais me esforçava para argumentar, mais claro se tornava para mim que nem a lógica nem o bom senso eram para ali chamados. A minha cor era o suficiente para uma rotunda assunção de culpa.

Hoje, uns bons 10 anos depois de amargar esta história, sinto na mesma pele de sempre uma mudança de pele. E qual gold pass para um mundo de cortesias e hipocrisias é outra vez ela, a cor, que me condena a um interrogatório de futilidades. “Quando é que vai viajar? Só leva isso? Volte com mais tempo. Lá em baixo temos spa, cabeleireiro, depilação. Tem a certeza de que não quer ver mais nada?”. Assim mesmo, de chofre, sem espaço para respirar, nem tempo para contra-argumentar, vejo que aos olhos de quem me vê a cor que tenho define de que forma sou. Ladra antes, compradora agora, amanhã talvez...apenas eu. Alguém sem o preço de mais ninguém.

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