segunda-feira, 29 de junho de 2009

A redenção

Depois da intromissão da chuva naquele que se presumia ser um festival de Verão, vi-me perante uma tormenta de lágrimas secas, mais tarde convertidas em choros solitários. E como se não bastasse a minha luta para não naufragar num oceano de contra-corrente, ao acordar, já em casa, sinto-me perdida no interior de um pequeno lago. Descalça, ensonada, e ainda longe de recuperar da noite de festival, apalpo, meio a medo, as possíveis causas para aquele dilúvio. Cada vez mais intrigada, lembro-me por fim de abrir a porta e de encontrar fora de casa o que não conseguia detectar lá dentro: a minha fonte de inundação, rapidamente rastreada da casa de um vizinho inconvenientemente ausente. Foi então que, incapaz de arrancar uma confissão de culpa da porta ao lado, passei a hora seguinte num tal de ensopa e enxuga toalhas que precisei de sete baldes cheios para escoar tanto liquído! Relatado isto, é caso para observar que, não fosse a conquista de mais uma Copa das Confederações pelo meu adorado Brasil, e o meu domingo só teria metido água.


quarta-feira, 24 de junho de 2009

A notícia do dia

Toca o telefone, o número é confidencial. Atendo, percebo alguma perturbação comunicacional, e, entre alguns ‘tou’ de interrogação reconheço-lhe a voz:

Princesa tom de mel: «Tou…»

Tia imediatamente amolecida: «Fofuxa da titi! Tudo bem? Acho que já sei por que estás a ligar…»

Princesa tom de satisfação: «Passei de ano!»

Tia a rebentar de orgulho: «Parabéns fofuxa! Estou muito feliz. Sempre soube que ias conseguir (o ano foi cheio de contratempos).»

Princesa tom de reconhecimento e determinação: «Obrigada. Agora diz à titi nanene para se conectar que eu também quero contar-lhe. Mas não lhe digas nadas. Quero ser eu a dizer.»

Tia já rebentada de orgulho: «Ok. Vou ligar.»

Pouco depois desliguei com a promessa de um presente no reencontro das férias – sou uma defensora acérrima de recompensar os esforços dos petizes, independentemente dos resultados – e a confirmação de que só me falta mesmo dormir sobre cinco números e duas estrelas. É que ainda ontem sonhei a boa notícia de hoje.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Frases mal feitas



Desde que me lembro de ouvir que tenho a expressão agarrada aos meus ouvidos. Não num qualquer sentido obsessivo, mas antes numa óptica puramente involuntária: tal como as músicas, também algumas frases feitas conseguem accionar em mim um modo de gravação automática. Acabam então por ficar registadas no meu processador encefálico mesmo sem terem um significado especial para mim e mesmo sem que eu alguma vez tenha pensado demoradamente nelas.

Recordo-me apenas de ouvir a expressão impreterivelmente associada a histórias de infortúnio. Podia ser um namoro enjeitado, um noivado desfeito, uma solteirice crónica ou uma desenchabidice aguda. Basicamente podia ser qualquer desgraceira pegada desde que arrastasse um fracasso pessoal exclusivamente feminino (como se a maioria destes fracassos não fossem conjuntos!).

Podia ser mas não é. Por mais que os namoros não vinguem, por muito que os noivados se rompam, e por mais que as eternas solteiras e desenchabidas se perpetuem, só quem nunca viveu a sorte de ser tio ou tia consegue ver nisso uma ponta que seja de frustração. Como fui tia antes de ser mãe mas já depois de saber que quero ser mãe, garanto - mesmo sem perceber qualquer indício de que realmente posso vir a ser mãe - que a experiência transborda-me de realizações. Tantas que afianço sob compromisso da minha felicidade que se ficar para tia ficarei bem entregue às adoradas sobrinhas* que a vida já me ofereceu.


*a Leonor fez três meses hoje e a Luana faz 10 anos a 25 de Novembro

Crash season

Não foi a orfandade de pais ricos, tão pouco a carência de um prémio de lotaria. Longe dos tempos de um duradouro chavão publicitário, lembro-me apenas de que, ao fim de umas três consultas, ele foi o primeiro a acertar na resposta que eu queria ouvir: «Só precisa de 5.000 escudos».

Sem mais encargos, avancei firme para a abertura da minha primeira e, até ver, única conta bancária. Primeiro parcamente recheada de escudos, depois parcamente recheada de euros, e mais recentemente, sobrecarregada de um empréstimo individual à medida do recheio do meu T1. Pelo caminho, a tentativa de convencerem-me da sua pretensa valorização por jogar na mesma equipa do melhor jogador do mundo.

Agora, gastos mais de 12 anos de créditos e débitos estou prestes a ‘zerar’ os movimentos da minha conta. Pelo menos este é o mínimo que se me ocorre fazer depois de subtraírem-me do extracto mais de 200 euros antes da data combinada, que é como quem diz a um mês da abençoada aparição do subsídio de férias. E como se não bastasse os «erros do sistema» terem lixado os meus planos de férias, acabo de constatar que continuam a dever-me a vigorosamente reclamada devolução de euros, entretanto agravada pela necessidade de uma reparação dos meus índices de boa disposição.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Correr para trás



Por mais voltas que dê à minha perspectiva, acabo sempre aqui: só mesmo gajas para se sujeitarem a uma corrida destas em troca de um qualquer incentivo para torrar em compras. Mas tantas? Trezentas a correr, montadas em saltos de pelo menos sete centímetros e debaixo de um sol abrasador por três cartões de débito? Com valores de 250, 500 e 1000 euros?
Pudéssemos nós reverter o consumismo em altruísmo e estaríamos todos mais perto de correr para a frente.

Transparências


Conversas que se soltam, cercando-me, alavancadas na minha genética incompatibilidade com a hipocrisia:

Chefe metido a psicanalista – Tenho notado que andas assim um bocado…não sei…há alguma coisa que te esteja a deixar insatisfeita?

Depois de titanicamente refreados todos os gritos do Ipiringa que pudessem ecoar de mim, lá consegui travar isto:

- Já que perguntas, a coisa que me anda a corroer a satisfação és mesmo tu.

Eis então que a consciência de que este seria o precipício para o meu suicídio laboral permitiu que o eu mentiroso baixasse em mim.

Eu mentiroso – Não é nada com o meu trabalho propriamente dito (leia-se, não é nada que te diga respeito). São questões financeiras. Faz-me confusão haver tanto dinheiro para publicidade e para o pessoal nada.

Chefe perfeito na sua imbecilidade – Sabes que isto está mau. Estivemos mesmo com a corda ao pescoço. E lá fora é tudo a despedir e reduzir salários…

O meu eu anti-capital – Tudo isso é verdade mas tudo isso não exclui o seguinte: há milhões para gastar em publicidade…

Chefe firme na sua imbecilidade – A publicidade é um investimento…isto é uma pescadinha de rabo na boca. Se não investes em publicidade não atrais publicidade.

O meu eu pró-trabalhadores – Sim, tal como é um bom investimento compensar o pessoal sempre que haja margem de manobra para isso. Não vejo qual a lógica de aplicar em publicidade toda a folga que se conseguiu com o aumento de capital.

Chefe faz-de-conta que solidário – Sim, sim. Sei que tens razão. Vou falar com a direcção sobre isso.

Vai, vai, pensei eu. Se conseguires um aumento sou gaja para te deixar ficar com ele, desde que sejas gajo para nunca mais voltar.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Ai Jesus!

Não é o vocabulário brejeiro, arremessado com uns pontapés na gramática. Também não é o registo de taxista vaidoso metido a conquistador. Nem sequer é a coroação que lhe confere uma espécie de trono no reinado das tácticas. Quando ouço o nome de Jorge Jesus, a primeira coisa que me sobe à cabeça é um cruzamento que já tivemos. Eu ainda estudante - a acompanhar a minha mana recém-mamã da altura, numa consulta da nossa Luana bebé à Estefânia (já lá vão quase 10 aninhos) -, ele então treinador do Belenenses, a pavonear um penteado acabadinho de sair da estética estática de um cabeleireiro.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Sentido de orientação




Sei que acompanha-me há algum tempo mas não consigo precisar desde quando. Muito mais do que uma intuição e muito menos do que um dom de adivinhação, habitou-me ao envio de sinais da sua presença. Lembro-me da ansiedade dos testes, mais tarde amadurecidos em exames, e recuo às primeiras mensagens que consegui decifrar. Recordo-me de que não eram constantes, nem previsíveis, mas sempre que tive a certeza de as reconhecer nunca falharam. Apareciam sobre a forma de sonhos e, na maioria das vezes, antecipavam aquilo que o passar dos dias acabaria por confirmar: a minha avaliação.

Esta é a mais genuína verdade: algumas das notas que tive chegaram-me enquanto dormia, livres de pautas ou de valores. Ao acordar, sabia ‘apenas’ que a nota era boa ou má e embora tentasse desligar-me das influências nocturnas, só o conseguia fazer com o afixar das pautas ou o entregar dos testes. Que me lembre, só por uma vez vi-me defraudada, não sei se por incapacidade de captar a mensagem, se por interpretar um sonho que nada oferecia para decifrar.

De resto bateu sempre tudo certo, fossem amores ou desamores, amizades ou inimizades, conquistas ou fracassos, conflitos laborais ou desaguisados familiares. Também recordo-me de sonhar com jogos do Benfica e, de, ao receber sinais de derrota, torturar-me para afastar a indesejada certeza de que tudo ia dar errado. Lembro-me ainda de alguns despertares de angústia, levantados sob a convicção de que algo corria mal para alguém do meu círculo de afectos, ou de que algo ia fazer desabar algum dos meus ansiados planos.

Agora para além dos sonhos, que nunca deixaram de me transmitir mensagens, confronto-me com ‘sinais’. Pequenas coisas que me orientam para pequenos passos, acredito que com o objectivo de torná-los grandes. Agora para além dos sonhos, sinto ‘arrepios’ de premonição. São bem mais raros do que os já de si raros sonhos, mas mostram-se igualmente reveladores. É deles que me vem a convicção de que, a seu tempo, certas pessoas assentarão arraiais na minha vida (para o bem e para o mal), e é a partir deles que sinto o aproximar de certos encontros e certas mudanças com a mesma segurança com que consulto um calendário.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Reflexões profundas no regresso de férias


Olhei para a imagem ampliada à distância. Já de perto, retive a mensagem, que, mais coisa menos coisa, vendia isto: «Só nós conseguimos (ou podemos??) comer uma bucha». Então voltei a olhar para aquela figura e, a muito esforço, procurei reconhecer ali semelhanças com uma baguete. Acontece que por muito que fixasse o olhar no fiambre e no queijo que confeccionavam a imagem, o raio da bucha não me transportava para o interior de uma caixa de ferramentas e menos ainda para o escaparate de uma companhia das sandes. Acabei então por desistir do reconhecimento, e, admitindo uma certa perversão da minha mente, quando hoje cedo me deparei com a publicidade do Master Card só consegui pensar naquele falo que de conjugação verbal não tem nada.

Reflexões profundas em tempo de férias





Crise, desvalorização ou ajuste de mercado?

Primeiro vejo o filho abdicar do apelido, dizendo que nem sequer pensou nisso, mas lembrando que o nome próprio, desacompanhado, fica melhor na capa do álbum. Depois vejo o pai na televisão, apresentando, a cada pausa publicitária, aquela que parece ser a promoção do ano. É então, que, num clássico raciocínio de férias assalta-me a interrogação: o apelido Carreira descapitalizou-se? Entrou em época de saldos? Ou atingiu o seu real valor?

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Digestivo




É verdade que ando roída dos nervos (o meu sobrolho esquerdo, que tem latejado a bandeiras despregadas, não me deixa mentir), mas não é menos verdade que amanhã entro de férias. Yuuuuuppppppyyyyyy! Vou ter uma semana do meu melhor tempo (livre, claro está) para digerir os diversos espécimes de sapo-elefante* que me têm engasgado os dias. Tchim-tchim!

*espécie que tem no mercado laboral terreno fértil de incubação

Pára! Arranca!

Quanto mais penso nisso, mais vejo que nunca pensei tão seriamente nisso. O que me fez arriscar uma profissão nisto? A única certeza que tinha era a de que o trabalho administrativo era demasiado rotineiro para mim. Então limitei-me a fazer o processamento disso e acabei por me deixar hipnotizar pela possibilidade de viver da escrita, que é a coisa mais aproximada de uma vocação que identifico na minha vida. Acontece que ao fim de seis anos sinto-me esgotada. Pelo enervante pingue-pongue de editores, pela desgastante maratona de contactos e pelo angustiante triatlo de insuflados egos, pedantismos pseudo-intelectuais e autismos conceptuais. Agarro-me então à crença de que tem de haver mais qualquer coisa para mim. Ainda não sei bem o quê, mas vontade não me falta de explorar novas oportunidades. Por isso vou rodar a baiana até descobrir o meu merecido lugar. Para começar, acho boa ideia inscrever-me num gingado destes:

Para a frente é o caminho

Auto-ajuda




Eu, intolerante crónica à acefalia, assumo a absoluta necessidade de postar aqui alguns dos meus ‘pequenos tudo’ com a derradeira esperança de que a sua escrita e posterior leitura me mantenham anestesiada das dores de lavor que me têm atormentado.

- não posso mandar o chefe para o c****** porque preciso do salário para pagar a renda, a água, a luz, o gás e toda a carrada de contas que a independência cobra.

- não posso mandar o chefe para a p*** que o pariu porque preciso do salário para financiar os meus projectos de diversão nocturna, os meus fins-de-semana de providencial retiro e as viagens de voo económico.

- não posso mandar o chefe f****** porque preciso do salário para atribuir algum sentido, ainda que financeiro, ao facto de continuar num projecto que acabou por se descaracterizar.

- não posso chamar o chefe de filho da p*** porque preciso do salário para pagar as quotas do Benfica, que, by the way, andam bastante atrasadas.

- não posso chamar o chefe de c***** do c****** porque preciso do salário para manter a ilusão de que algum dia próximo desta vida vou descobrir o que é um aumento salarial.

- não posso mandar o chefe ir chatear a p*** da mulher dele porque preciso do salário para ter a possibilidade de, de quando em vez, ceder à futilidade de um consumo.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Noutros tempos

Era preciso alguém para ter piada. Podia ser um colega de escola, um dos vizinhos do lado ou até uma companhia de ocasião. Podiam ser todos e mais alguns, porque quantos mais fossem maiores seriam as probabilidades de diversão.

Às vezes, também era preciso improvisar para ter piada. Podia ser nas receitas fictícias, confeccionadas a partir de areias, ervas e flores. Podia ser na magicação de tropelias, experimentadas ao ritmo de tropeções e correrias. Podia ser na simples imitação de bizarrias, infantilmente retalhadas dos concursos de televisão. Podia ser tudo isso e muito mais, porque quanto mais improvisássemos maiores seriam as probabilidades de diversão.

Houve ainda momentos em que era preciso desobedecer para ter piada. Podia ser no chupar das bacterianas azedas, no explorar de caminhos maternalmente interditados, ou no ignorar de perigos intuitivamente reconhecidos.

Simplesmente era preciso brincar. Hoje parece que apenas é preciso ocupar os tempos.