terça-feira, 9 de março de 2010

O Grito

Ai, que ainda dá mais um bocado. Ai, que bem esticadas as forças, daqui a pouco é hora de levantar. Ai isto, ai aquilo! Ai tanto e tanto protelar, para, invariavelmente, assistir impávida e nada serena à vitória da pressão da bexiga sobre a ronha na cama. Sem liberdade de acção para prolongamentos, noite após noite, sobretudo nas de Inverno aconchegadas a chá, vejo-me forçada a levantar, meio cambaleante, meio contrariada. E não fosse eu uma super heroína dotada do super poder de conseguir deambular pela madrugada doméstica – quase sempre sem ser pontapeada por móveis ou rasteirada por objectos fora do lugar (tipo mala de viagem que permanece vazia no centro da kitchnet há mais de uma semana) – ainda teria de andar à caça de interruptores, antes de aliviar a aflição urinária. Nunca é esse o caso, embora às 3 horas e qualquer coisa deste 9 de Março o caso tenha agravado a sua figura, com o detectar, pela minha entreaberta visão, de dois objectos não voadores e não identificados, cuja apresentação reservo para o final destas linhas.

Siga a escrita…

Ainda sem os mínimos do raciocínio ligado, lembrei-me de ter deixado a janela da sala aberta – como quem liga a banda sonora da chuva para melhor adormecer – e pus-me a tentar imaginar o que raio poderia ter sido arrastado pelas águas. Nesta busca atrapalhada dos meus pensamentos por algum sentido, avanço para acender uma das lâmpadas de proximidade quando um movimento junto às minhas pernas me arranca o grito: AAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!

Acendo as luzes, confirmo a natureza animal do intruso e corro para abrir a porta, confiante de que o veria sair disparado. Mas não. Depois de o sacana (sim, com estes comportamentos tem tudo para ser um ele) ter soltado o seu miado de vitória, recusou o meu convite para sair e preferiu agarrar-se à minha japonesice de estor. BRANCA! Era uma japonesice branca! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!

Raio do bicho! Saiu-se com uma tentativa de escalada, saiu-se com a segunda, e eu ali especada a assistir à derrocada do meu cortinado nipónico, até que o sacana acertou na brecha de saída, deixando-me entregue a um pesadelo de limpeza. De jornal ainda por ler em sentido, balde, esfregona, esfregão, água a ferver e Cillit Bang a postos, sustive a respiração, e embrenhei-me na missão de libertar o meu refúgio de todo e qualquer vestígio daquela indevida pernoita, alongada pelo tempo de um aninhamento nas minhas mantinhas de sofá, dois cocós e um xixi. Mijo de gato. AAAAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIII!

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