quinta-feira, 27 de maio de 2010

Prenda minha


Feio de estampa, arqueado de pernas e mais magro do que uma folha de papel vista de perfil. Devorador de bolos de arroz, fiel adepto de iogurtes e de tal forma inapto para o social que, pouco depois da meia-noite, vira abóbora num qualquer encosto de estar. De cada vez que eu achava que já tinha ouvido o suficiente, contavam-me mais e mais, e, com os piores requintes de desaprovação, atribuíam-lhe o exclusivo do reino dos atritos. Tantos, que talvez nem houvesse tempo para o conhecer. Talvez ele nem sequer chegasse a embarcar. Talvez se deixasse estar longe de tudo o que, afiançavam-me, o tornava demasiado insuportável. Mas não. Depois de alguns ameaços de datas, finalmente ele chegava. Vinha suado e ‘mastigado’ da viagem, por isso adiou o meu beijo para depois do banho. Uma mariquice pegada, precipitava-me eu na minha apreciação, momentos antes de lhe estranhar a boa disposição e o sentido de humor, surpreendentemente cativantes para tamanha má rés.

E assim vivi o tempo de uma primeira boa impressão, que tinha tudo para morrer má à nascença. Seguiram-se dias. Nunca o achei feio nem magro demais, mas indignei-me em silêncio com a falta de tacto dos comentários dele, com os excessos de linguagem e com as psicoses acumuladas.
Seguiram-se semanas. Permiti-me ir além do óbvio e encantei-me, também em silêncio, com a disponibilidade dele, com a amabilidade, com a lealdade e com a frontalidade. Seguiu-se o último mês. Aproximei-me como nunca dele. Trocámos olhares, gestos e palavras de afecto. Seguiu-se a separação. Sofri as preocupações da distância e em duas semanas senti saudades asfixiantes. Seguiu-se o reencontro. Os abraços apertados, os suspiros, os toques atrapalhados, a cumplicidade de sempre. Pelo meio as sugestivas, por vezes explícitas, mensagens por telemóvel.

Segue-se a vida. A minha talvez entre cá e lá. A dele talvez entre a namorada e o filho da namorada. A minha e a dele que, contra todos os ‘ses’, se faz nossa. Por um presente que seja.

2 comentários:

  1. ai amiga... *suspiro*

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  2. É só emoções para esses lados! Que as boas suplantem em tudo as menos boas...
    Besos, amiga!
    Iva

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