segunda-feira, 2 de junho de 2008

Quem te viu e quem te lê




Sempre gostei de observar diferenças. Assinalei-as durante anos nas páginas de passatempos de revistas e jornais, com o mesmo entusiasmo que agora dedico a identificar discrepâncias entre os factos e as notícias. Confesso: um dos meus exercícios preferidos é devorar artigos sobre acontecimentos que presenciei, comparando as versões escritas com as minhas leituras vividas. Vale tudo como matéria de apreciação: pode ser uma conferência de imprensa, um casting para os Morangos com Açúcar, ou a apresentação de uma novidade pseudo-revolucionária. Mas, pela extensa cobertura noticiosa que atrai, nada rende tantos parágrafos de diferenças como o Rock in Rio. Em três edições do auto-intitulado maior festival de música do mundo, fico-me por igual número de observações. Todas recolhidas no primeiro dia de rock do ano.



  1. Amy Winehouse. Depois da polémica dos ses - se sobreviveria, se viajaria, se actuaria - a imprensa virou-se para a a polémica dos des - decadência da cantora, degrado do espectáculo, desrespeito com o público. Não percebo! Será que se esqueceram assim tão rápido dos motivos que alimentaram a lengalenga dos ses? Tão rápido, que nem sequer se lembraram de questionar as opções da organização? Ou estaria o concerto de Amy Winehouse ao serviço secreto de um mundo melhor? Seria assim tão inconcebível esperar o pior de Amy Winehouse? Se para mim era mais do que previsível assistir aos despojos de um talento em ruína, para a organização que prega a responsabilização social, seria expectável que não promovesse tamanha desresponsabilização.


  2. Preço dos bilhetes. Em tempos de crise, pagar 53€ para assistir a um festival de música soa a… notícia. Vai daí, o pessoal da comunicação desatou a multiplicar os lucros: se no primero dia estiveram aproximadamente 90 mil pessoas no Parque da Bela Vista, isso significa que a estreia do festival rendeu cerca de 4,7 milhões de euros aos cofres da organização. Alguém se lembrou de contabilizar os espectadores que entraram de borla? Sabem quantos pseudo-VIP's foram convidados? E o pessoal que desenrascou bilhetes mais baratos à pala de promoções e transacções opacas?


  3. TMN silenciada. Nem sms's. Nada. Entre erros constantes de ligação e sucessivas falhas no envio de mensagens, o pessoal da rede TMN desesperava. Comunicação zero! Enquanto isso, os clientes Vodafone desfrutavam de uma vantajosa presença no lote de patrocinadores do Rock: ao contrário dos não patrocinadores, conseguiam falar e enviar mensagens entre si. Dizem os crédulos, imprensa incluída, que as dificuldades de comunicação (e não impossibilidades) foram o espelho da elevada concentração de telemóveis. Lembram os incrédulos, eu incluída, que os problemas de ligação terminaram no exacto momento em que Lenny Kravitz abandonou o palco. Ou seja: antes sequer de o público ter tido tempo de dispersar e aliviar a alegada sobrecarga de rede. O que vale é que como o silêncio é de ouro, por esta altura o mundo já anda bem melhor.

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