terça-feira, 13 de outubro de 2009

A minha ignorância é melhor do que a tua

No outro dia partilharam comigo dois dos nomes ‘especiais’ que uns e outros funcionários da Câmara de Lisboa, portugueses instruídos (no sentido puramente académico do termo, leia-se), usam para se referirem ao reeleito presidente António Costa. O primeiro – chamuça – inspira-se num salgado bem popular na tradição goesa que lhe fundou as origens – enquanto o outro – bolacha torrada – assenta numa dupla atacante: bolacha dirige-se à sua arredondada figura, torrada destaca-lhe o tom não-branco de pele. Entretanto, leio no pasquim mais pasquim da praça que também o fadista João Braga revela um peculiar ‘apreço’ pelas raízes do autarca da capital.

Racismo? Trocadilhos de fraco gosto?

Assim de repente, respondo que ambos, e, assim de repente, lembro-me de tantos e tantos outros ‘mimos’ do género que só me dá vontade de rir quando assisto às reacções do dia. Então vem-me à memória o rescaldo de uma cena de violência que encontrei numa saída recente pelo Bairro Alto: um miúdo com o sangue a escorrer pela cara, polícias no encalço da ocorrência e um grupo de meia dúzia de amigos zelosos.
«Já houve merda», comentávamos no nosso afro-trio, segundos antes de ouvirmos alguém gritar assim o relato do mau acontecimento: «São estes pretos que só vêm para aqui fazer merda». Atenção, pára tudo! Não são as pessoas que fazem merda, são os pretos!

Exemplos como estes sobram-me das experiências destes meus 27 anos de Portugal e 30 de vida. Aliás, já aqui postei uma situação dessas. É por isso com resignada naturalidade que visito os espaços de discussão online sempre que o tema em debate ameaça beliscar ‘honras e sensibilidades nacionais’.

Hoje, dia em que o direito à indignação decidiu possuir os internautas deste Portugal tolerante com a sua ignorância mas implacável com a ignorância alheia, as minhas viagens levaram-me à caixa de comentários do youtube e de alguns sites de informação. Deixo-me aí estar o tempo de umas opiniões e não consigo ficar indiferente ao chorrilho de barbaridades que orgulhosamente se publicam: «preta de pele virada», «vaca como todas as outras que andam por cá», «brazuca de merda» e tantos outros impropérios que, em poucos escritos, o portuguesinho consegue superar a estupidez dos ditos no vídeo.

Com argumentações destas até consigo imaginar os pressupostos que inspiraram a verborreia tacanha da Maitê. Afinal, quantas e quantas vezes tive de ouvir a história dos pretos que, em África, vivem todos em árvores e comem com as mãos, ou do preto e da preta que até são bonitos e inteligentes, como se a beleza e a inteligência fossem exclusivos da ‘raça superior’. E o que dizer então da minha fluência no português, apesar da minha evidente ‘africanidade’? Também nunca me esquecerei de uma definição que, ainda na primária, encontrei num dicionário da Porto Editora. Dizia mais ou menos isto: catinga = mau cheiro proveniente da pele dos negros. Significaria isto que o mau cheiro emanado das peles brancas não é catinga? Ou que as peles brancas são naturalmente bem cheirosas? Incorporassem em muitos uma câmara oculta e não haveria espaço para Maitês de indignação.

Por favor! Olhem para os vossos telhados! Quantos dos que agora vêm posar de ofendidinhos têm legitimidade para falar? Sentem-se humilhados? Ridicularizados? Atacados? Traídos por uma actriz que tanto acarinharam e que até fizeram questão de homenagear nos espectáculos que a dita apresentou cá na «terrinha»? Acham, de facto, que a quantidade de baboseiras gravadas por Maitê Proença merece tamanhos achaques? Ou terão visto neste episódio a oportunidade de aliviar tensões carregadas de verde e amarelo?

Tudo bem que não sou portuguesa, tudo bem que amo o Brasil, mas, pátrias à parte, a única coisa que consegui ver depois de assistir às tão comentadas imagens foi uma idiotice pespegada. Vi uma tipa o tempo todo em tom de deboche e com um ar de transe, ouvi um discurso arrastado e imprecisões grosseiras sobre a História de Portugal, deparei-me com uma caricatura de hábitos que também eu associo ao tuga, e, encontrei tantos, mas tantos excessos e absurdos que pensei: o português que se sinta melindrado com isto precisa mesmo de ‘se achar mais’.

3 comentários:

  1. O grande problema relativamente ao que se passa com a Maitê é simples e universal: No nosso país, podemos dizer tudo o que quisermos dos outros, mas os outros (leia-se estrangeiros)nunca podem dizer nada de nós no nosso próprio país. E isto serve para o mundo inteiro. E é só isto. No entanto, "isto" encerra em si uma data de peculiaridades que não dá para escrever em poucas linhas. Relativamente ao resto do texto, são sempre os outros que fazem merda. Todos os que apresentam qualquer tipo de diferença (cor da pele, sotaque, nacionalidade, status social e por aí fora). Se olharmos para os nossos próprios umbigos e assumirmos os nossos grandes defeitos, é tido como passarmos um atestado de imperfeição a nós mesmos e darmo-nos conta que a nossa vidinha é tudo menos aquela que queríamos que fosse. E são muito poucas as pessoas que têm a coragem e humildade para o fazer. De resto, vamo-nos contentando em gozar com as características alheias para ajudarmos os nossos egos a crescer mais um pouco. É que, enquanto eu gozo com o outro, é sempre um bocado de tempo a menos que eu tenho para perceber a triste vida que tenho...
    E assim vai o mundo. E assim vamos nós. O que vale é que as coisas estão a mudar, a pouco e pouco. Mas, antes de começarmos a subir o nível, temos de bater no fundo. E, se ainda não batemos, devemos estar muito perto...
    Beijos, amiga. Bola prá frentchi :)
    Ivana

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  2. Se isto fosse o facebook, clicaria na mãozinha do Like para comentar o teu comentário :)Yeah! P.C. likes it

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  3. :)
    And i like your comment too! ;)

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