segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Crónica de uma reclamação anunciada

Há dois anos pedi dois, em Novembro outro e agora mais um. Nada de complicado, coisa para duas ou três frases de conversa e uns cinco minutos de espera. Depois lá vem ele. Rubricado e carimbado conforme manda a praxe consular, aqui orientada para a prova bancária dos meios de subsistência. Que é como quem diz uma pequena fortuna de 200 dólares a multiplicar pelo número de dias de viagem. Matematicando: 30 dias de laréu exigem 6.000 dólares de saldo, conversíveis para 4.500 euros. Pouco importa que o dinheiro seja ‘virtual’ - milagrosamente multiplicado a partir de uma transferência bancária realizada horas antes - e, garante-me quem já voou assim, pelos vistos também não faz diferença não ter um cêntimo de prosperidade na conta. Desde que alguém do outro lado assuma a responsabilidade de bancar um outro alguém que ainda está deste lado, tudo na paz. Assim como assim, não há volta a dar ao pedido. Por isso lá fui eu, uma vez mais, tratar do assunto.

Extracto bancário, carimbo, rubrica…e siga a despachar o registo criminal. Começo a planear a manhã na minha cabeça, saio de casa por volta das 9h30, lembro-me da agência que fica aqui perto e, sem stresses, lá vou eu. Mais Carris, menos Carris, calculava eu, entre a 24 de Julho, o Parque das Nações e Entrecampos, a papelada ficaria toda entregue até às 11h30. Mas, como dizia o outro, «a vida é o que acontece enquanto fazemos outros planos» e aconteceu que os de hoje acordaram para me trocar as voltas.

«Um extracto carimbado por causa do visto? Sim, temos uma declaração-tipo para estas situações». Antes sequer de acabar a frase, já a senhora do atendimento teclava em busca da minha suposta satisfação. «Isto evoluiu desde Novembro», pensei de mim para mim e, por minutos, dei vivas pela eficiência. Mas durou pouco o meu estado de graça. Agarro no papel, começo a ler e…«desculpe, falta aqui uma referência ao meu saldo, o documento destina-se a fazer prova dos meios de subsistência. Não basta declarar que sou titular de uma conta bancária no vosso banco com o número X e o nib Y». Era demasiado simples para levantar discussão. Basta imprimir o extracto bancário com pelo menos 10 movimentos, carimbar, rubricar et voilà, tudo certo. «Não fazemos isso. O banco não carimba extractos». Oi? «Mas não é a primeira vez que o peço e nunca houve problemas, o que é que mudou?». Respiro fundo, embora já indisposta com a cara de mete-nojo da criatura do atendimento, e, digiro a resposta. «As regras mudaram e temos passado várias declarações assim e ninguém reclama».

Ai, ai, ai. Repito em surdina que aquilo não me está a acontecer - caramba, quero apenas um extracto da minha conta carimbado e rubricado -, por instantes admito que o meu português esteja meio adormecido - coisa da primeira conversa do dia - e lá tentei soar mais articulada das ideias. «Tenho a certeza de que esta declaração não vai ao encontro do que me é pedido pelo Consulado. Preciso do extracto ou de qualquer outro documento que faça referência ao meu saldo bancário». Nisto vamos já nuns bons 20 minutos de banco e eu a ver a minha agenda a resvalar.. até que. ..tcharan: «Se faz tanta questão de levar o extracto posso imprimi-lo mas não o posso carimbar».

Paciência, paciência, paciência. Expliquei que um extracto por si só não vale nada -ai, o que pode haver aí de falsificações - e depois lembrei-me do que escreveu um outro: «Nunca discutas com um idiota. Ele rebaixa-te ao nível dele e depois vence-te pela experiência». Pensado isto, despachei a minha saída: «Olhe, deixe estar. Vou a outra agência». Mas antes de me levantar ainda tive tempo de recusar (uma vez mais, arre!) o extracto sem carimbo e de ouvir a mulher repetir: «Não vale a pena ir a outra agência. Agora é assim. É a política do banco».

Voltei para casa em busca da cópia da última declaração carimbada e ala para a sede do banco. Surpresa: ah, afinal não houve revolução nas regras. «Que eu saiba não mudou nada», repete a funcionária. Explico a história tintim por tintim e ela insiste. «Continuamos a fazer o mesmo, aliás lembro-me de já lhe ter feito isso». Aleluia. Eu sentada à espera, à minha volta um zunzum que me faz temer pelo pior, mas uns bons 20 minutos depois ei-lo nas minhas mãos. «Ora, então, por que carga de água a sua colega não quis fazer o que acabou de fazer?». Silêncio, encolher de ombros. «Vocês têm o livro amarelo? Sim, esse, das reclamações».

Ouço a resposta que quero e sigo o meu caminho em passo de corrida porque já são 11 horas e até ao meio-dia ainda tenho de ir ao Parque das Nações e voar para a agência de viagens em Entrecampos. Não ia dar, por isso no derradeiro sprint lá tive de alancar com a tarifa do táxi que, a bem da justiça, deveria ser cobrada à ressabiada da tipa da manhã que amanhã não perde pela reclamação. Ah, pois não!

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